Sempre gostei da teoria neoclássica
como uma primeira aproximação para se entender o funcionamento de uma economia.
O problema é que para realmente compreender o mundo como é precisamos de
teorias muito mais potentes e sofisticadas. Deixo aqui 6 exemplos do que estou
falando.
O primeiro é a economia
de coelhos (de trigo ou de peixes). Se vc poupa mais coelhos ao invés de
comê-los eles se reproduzirão e vc terá mais coelhos no futuro. Na economia
real máquinas e fábricas não são coelhos. Quando as pessoas poupam os recursos
não gastos vão parar no banco. Se ninguém tomar emprestado esses recursos para
construir máquinas e fábricas não haverá investimentos. O aumento de poupança
não reduz a taxa de juros, que é o preço da liquidez. Keynes mostrou tudo isso
com clareza lá em 1936!
O segundo exemplo que
gosto é da teoria das vantagens comparativas. Basta se especializar no que vc é
bom (em Termos absolutos ou relativos) e os “ganhos de comércio” trarão
benefícios enormes! Se vc é bom em lavar louça coloque foco nisso. Não tente
fazer outras coisas! SQN! Krugman e os economistas estruturalistas mostraram
que se especializar em atividades com retornos crescentes de escala faz toda
diferença. A abertura comercial não vai integrar automaticamente e
beneficamente nossa economia nas “cadeias globais de valor” trazendo bem estar
ao país.
Terceiro exemplo: tratar
economia internacional em termos de poupanças: Alemanha, China e Japão “poupam
muito” e por isso tem superavit em conta corrente! Errado! Esses superávits
decorrem de uma estrutura produtiva altamente complexa e sofisticada que
abastece o mundo inteiro de bens manufaturados e gera enormes lucros
(“=poupança”)! De novo aqui os economistas estruturalistas mostram milhares de
evidências empíricas.
O quarto exemplo tem a
ver com características idiossincráticas de determinados setores. A industria,
por exemplo, é um setor especial, por que? A resposta é simples: a atividade
industrial tem mais espaço para inovação, automação e economias de escala e
escopo. Mais do que os serviços pessoais e a agricultura. Os serviços
sofisticados ou empresariais também apresentam mais oportunidades de escala e
inovações tecnológicas.
Os ganhos relevantes de
produtividade de uma economia vem desses dois setores: indústria + serviços
empresariais. Não é uma questão de ser contra ou a favor da indústria. Trata-se
de uma “lei econômica” como muito bem identificou Adam Smith em 1776.
Atividades com maior divisão do trabalho apresentam maior possibilidade de
economias de escala e de aumentos de produtividade. É uma propriedade física do
processo produtivo. Podemos gostar ou não da lei da gravidade, mas que ela
existe, existe. Ninguém vai se jogar de um prédio por não gostar da lei da
gravidade!
Para ser justo aqui vale
destacar aqui que alguns economistas neoclassicos notaveis trataram com rigor
essa questao dos efeitos dos retornos crescentes na economia: Stigler, Lionel
Robbins, Armen Alchian, Paul Romer, por exemplo.
Quinto exemplo:
educação. Se um país investe em educação empresas sofisticadas vão brotar, o
capital humano vai aumentar e a renda vai subir! Não! Sem indústria, sem setor
produtivo bom não adianta nada investir em educação: o resultado imediato será
perda de cérebros para o exterior (brain drain) ou super qualificação para
tarefas não produtivas e precárias (motoristas de uber). A educação sozinha não
dá nada!
Sexto exemplo: impressão
de moeda gera inflação. Basta olhar o Japão desde 1990. Eua, Europa, Reino
Unido, Suíça, entre outros desde 2008: bases monetárias explodindo e nada de
inflação. Tudo empoçado em liquidez em caixa de empresas, bancos, etc! Nunca se imprimiu tanto dinheiro nos EUA, a inflação
por lá está no nível mais baixo de décadas; aliás grande preocupação do FED.
Acreditar que impressão monetária gera necessariamente inflação significa ignorar
os canais de crédito, confiança, demanda por liquidez e demanda por ativos. No
caso americano a liquidez criada está levando a bolhas de ativos ou
entesouramento de liquidez; ou seja, pouca ativação do sistema econômico.
O mainstream não
consegue entender essas coisas! Será tão difícil assim?
Paulo Gala
Professor de Economia da
FGV/EESP
Twitter @paulogala
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