Por: Bento Jesus Guastalli
O varejo brasileiro tem algo que
seja único e que pode ser considerado benchmark global?
Esse era o desafio ao falarmos
sobre o varejo do Brasil, pela primeira vez, no Chinashop, o mais importante
evento do setor na Ásia e que reuniu mais de 65 mil pessoas em uma área de
exposição de 130 mil m². Em quase tudo, mais que o dobro do que é a NRF.
Pela primeira vez, uma delegação
brasileira foi convidada oficial para o evento e nos foi solicitado coordenar
um painel que mostrasse as características, a estrutura, a organização, o
desempenho, os conceitos relevantes e as melhores práticas do varejo e do
consumo do Brasil. Tudo dentro da realidade da
parceria econômica entre Brasil e China, sucedendo a primeira visita do
presidente Jair Bolsonaro à China e antecedendo a reunião dos Brics, em
Brasília, que teve a participação do presidente Xí Jìnpíng da China ao Brasil.
E para completar a sequência de
atividades inéditas, a possibilidade de participar das atividades que marcaram
o Singles’ Day. Em seu show de abertura, o evento criado pelo Alibaba,
realizado pela 11ª vez, no dia 11/11, alcançou recorde histórico com vendas superiores
a US$ 38 bilhões num só dia.
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#ibade |
Afinal, temos algo para mostrar
ao mundo que seja só nosso em termos de varejo?
Em um cenário onde a tecnologia e
o digital se tornam dominantes, no qual temos sido seguidores, numa perspectiva
que cresce o uso dos meios de pagamentos digitais ou por reconhecimento facial
– e estamos só começando nesse aspecto. Na realidade brasileira, em que o
e-commerce representa apenas perto de 6% das vendas totais do varejo e nos
mercados líderes, China, Inglaterra e Coreia do Sul, oscila entre 22 e 35%.
Para complicar um pouco mais,
teríamos o que destacar como único, além da resiliência do setor, quando saímos
de uma recessão que gerou desemprego de 13%, fechou mais de 200 mil lojas e fez
o setor ter desempenho negativo ou pífio por quatro anos?
Somos únicos no varejo em algo
que possamos nos orgulhar e mostrar para o mundo?
A resposta nasceu da revisão da
atuação do setor na história recente do país, das marcas e conceitos que nos
mais diversos canais, formatos e negócios, têm se diferenciado e das empresas
brasileiras que, ainda timidamente, começam a expandir no mercado
internacional, seja organicamente ou por aquisições, e que o fazem
diferenciando sua atuação com um jeito brasileiro de fazer varejo.
O que há em comum e que pudesse
ser considerado um diferencial do varejo brasileiro em empresas como O
Boticário, Natura, Renner, Riachuelo, Magazine Luiza, Panvel, Raia-Drogasil,
Atacadão, Assaí, Cacau Show, Alpargatas, Pernambucanas, Grendene, Schultz,
Hering, Bob’s ou as operações locais das globais McDonald’s, Burger King,
Carrefour, Pão de Açúcar, C&A, Telhanorte, Leroy Merlin, Dicico-Sodimac e
muitas outras?
No passado a atuação do varejo no
crédito, como também acontecia no México, pode ter sido um diferencial, que
chegou até ser exportado pela C&A e Walmart para suas operações na Ásia,
mas a transformação estrutural do mercado brasileiro deixou alguns poucos
varejistas com essa diferença estratégica.
Existe um diferencial no modelo
brasileiro de varejo?
O varejo brasileiro pode ser
considerado único na combinação da valorização das pessoas, clientes e
funcionários, com o uso da tecnologia como integrador de Serviços,
Conveniência, Inovação, Valor e Design para criar Experiências Emocionais que
gerem resultados.
Na síntese exposta no evento da
China, o conceito foi explicado como The Brazilian Retail Uniqueness is the use
of Technology as an enabler to blend Services, Convenience, Innovation, Design
and Value with People, to create Emotional Experiences that could leverage
Results.
No momento em que o mercado se
torna exponencialmente mais competitivo, global, digital, omnicanal e
concentrado, tem sido valorizado e destacado, o quão fundamental se torna a
geração de experiências em busca da diferenciação, mas, cada vez mais, é preciso
que essas experiências tenham uma componente emocional para que seja de fato
relevante.
O uso da tecnologia para
simplificar e agilizar, o formato inovador, o atendimento competente e
individualizado, a oferta de produtos e serviços de acordo com a demanda, a
entrega rápida, o pagamento de forma simples e eficiente, preços competitivos e
com clara percepção de valor, e todo o mais, se tornam, crescentemente,
condição mínima para operar no setor de varejo. Mas não um diferencial
competitivo.
O verdadeiro diferencial e o
varejo brasileiro têm muito para mostrar. E é a combinação virtuosa desses
elementos com o toque humano, natural e autêntico, que pode gerar as
experiências que tocam.
Essa proposta foi inspirada nas
muitas discussões que ocorrem quando estamos participando nas delegações
internacionais com dirigentes, executivos e empresários do varejo brasileiro e
temos oportunidade de comparar nossa realidade com a de outros países e o tema,
invariavelmente, acaba na genuína e autêntica valorização das pessoas, sejam os
clientes ou os funcionários, como fator estratégico de diferenciação e
combinada com outros fatores, inevitáveis, de uso e incorporação das melhores
estratégias e práticas globais.
A genuína, autêntica, quase
natural, valorização das pessoas tem muito a ver com nossa cultura latina e foi
aperfeiçoada, estruturada, premiada e incentivada ao longo do tempo, pois cria
a diferenciação definitiva.
Toda tecnologia ou inovação
tecnológica, diferenciação digital, formatos, canais híbridos, processos,
modelos de negócios, comunicação, design, arquitetura ou sistema, é uma questão
de tempo, podem ou serão copiados. Mas a diferenciação através das pessoas
demanda gerações para ser copiada, se é que é possível tentar copiar em algum
momento, pois está apoiada em cultura organizacional, algo de difícil, se não
impossível, cópia em um período limitado de tempo.
Temos ouvido e assistido muitas
apresentações de empresas locais ou globais, em diversos mercados no mundo,
envolvendo Américas, Europa, Ásia, Emirados e Oceania, onde o discurso da
valorização das pessoas, internas e consumidores, está sempre presente, mas
onde a realidade se choca com a proposta exposta.
Só no Brasil temos visto, pelos
vários casos citados e muitos mais, essa diferenciação.
Vale a pena aprofundar e
considerar.
Bento Jesus Guastalli –
Bacharel em Administração
Mestrado em Gestão
Pública.
Jornalista CEO – IBADE –
Instituto Brasileiro de Assessoria em Desenvolvimento.
bentoguatalli@ibadeinstituto.com.br